Há 4 anos estive na Índia, em Calcutá durante 3 semanas para fazer uma experiência de voluntariado com as Missionárias da Caridade pois desde adolescente que tinha o sonho de conhecer a “casa mãe” e os locais onde Madre Teresa de Calcutá tinha iniciado a sua obra. Considero-me uma apaixonada pela sua vida! O meu […]

Uma experiência de missão

30 de Outubro de 2007

Uma experiência de missão

Há 4 anos estive na Índia, em Calcutá durante 3 semanas para fazer uma experiência de voluntariado com as Missionárias da Caridade pois desde adolescente que tinha o sonho de conhecer a “casa mãe” e os locais onde Madre Teresa de Calcutá tinha iniciado a sua obra. Considero-me uma apaixonada pela sua vida!

O meu regresso à Índia - Calcutá

Agora compreendo que tinha de voltar…
Trazia uma angústia no meu coração, tanto sofrimento, tanta pobreza… porquê, Meu Deus? E eu no meu conforto, com família, amigos, casa, trabalho… tanto! Tentei apagar da minha memória as imagens que me despedaçaram o coração e tentava não falar muito da minha experiência lá. As minhas palavras resumiam-se a pouco mais que: “é uma país muito duro, com uma realidade muito dura”. Pouco mais era capaz de articular e o meu coração ia tentando esquecer/ camuflar essa experiência riquíssima, que me tinha feito crescer vários “metros” e perceber que o verdadeiro sofrimento existe mas o verdadeiro Amor também.

Eu conhecia o sofrimento da doença de conhecidos, de problemas graves de famílias, de abandono de idosos mas normalmente por passa palavra. Mas é muito diferente quando todos os dias durante 3 semanas somos confrontados com rostos magros que vivem na rua, no passeio onde eu tinha de caminhar logo às 5.30 da manha, cerca de 40 minutos para chegar à casa das Missionárias da Caridade (grandes almas de Deus, não lhe posso poupar qualquer elogio). Os passeios àquela hora estavam repletos de gente a dormir, e não eram só homens (como também infelizmente vemos em Lisboa), eram famílias inteiras, homens, mulheres e crianças.
Se passava um pouco mais tarde, já estavam a acordar, a começar a lavar-se, a vestir-se, a comer, ali mesmo no passeio… tudo exactamente no mesmo espaço. O cheiro em muitas ruas era nauseabundo, mesmo difícil de suportar, existiam alguns urinóis mas nem sempre! As lixeiras eram abundantes onde brincavam crianças e abutres!! O cenário eram chocante e dia após dia o meu coração sangrava, chorava.

Estava sozinha… fiz muitos amigos, voluntários dos 4 cantos do mundo, mas não havia um português sequer (com excepção da Irmã Maria do Carmo que encontrei mais tarde). Guardava tudo no meu coração… era difícil partilhar o que me ia na alma.
Á chegada estava muito confiante. Já tinha estado 9 meses em Moçambique como voluntária a trabalhar nos bairros, vinha de uma “missão” em Timor de cerca de 3 meses, já tinha ouvido algumas dezenas de histórias e testemunhos lindíssimos de missão, logo não pensei que fosse tão diferente. No meu intimo estava convencida que estava preparada. Nunca tinha falado com ninguém que lá tivesse estado nem visto fotografias de qualquer voluntário… mas tinha lido todos os livros que encontrava de Madre Teresa de Calcutá e visto inúmeras fotografias desde a minha adolescência. Mas… o confronto com a realidade é tão diferente… as fotografais, os livros e até as palavras não têm cheiro, não têm sabor, não têm o palpitar dos corações...

No regresso a minha conclusão era: a experiência de missão no Nirmal Hirday, na casa do moribundo, a primeira casa que Madre Teresa fundou, onde trabalhei como voluntária durante essas 3 semanas, foi muito boa, dura mas muito reconfortante, o verdadeiro Dar e Receber lindíssimo da Missão, mas toda aquela pobreza que me parecia infinita levavam-me a dizer que “a Índia é um pais que não tenciono voltar”.

Mas tantas vezes que Deus nos troca as voltas…
E parece que Deus tencionava troca-las desta vez. Quatro anos depois, no fim de ter pensado em diferentes destinos para estas férias, como Moçambique, Birmânia, Camboja, e já estar quase tudo pensado para o Peru, eis que dou por mim já com os bilhetes comprados para a Índia. Quando tomei consciência, não escondo que senti um frio pela espinha e um aperto no coração. Algum medo instalou-se. No primeiro dia, que cheguei, (fui para Deli, a capital da Índia), antes de dormir chorei, chorei, chorei… aquelas lágrimas eram de há 4 anos atrás mas porque estava sozinha e não podia ficar doente nem “desprotegida”, “calquei-as” no meu coração. Todas aquelas questões voltavam: Mas porque é que eu não posso fazer nada? Mas porque é que milhares de pessoas têm de viver nestas condições nos nossos dias em que outros esbanjam tanto? Mas porque é que tantas crianças não têm espaço para brincar naquelas ruas da cidade onde vivem cerca de 22 milhões de pessoas? Qual o meu papel?
E pedia ajuda a Deus. Percebi que me acalmava, era como se a minha querida Madre Teresa de Calcutá estivesse ali ao meu lado e me recordasse as palavras do poema pegadas na Areia: “Minha querida filha jamais te abandonarei”, aquele conforto de mãe, de pai. Parecia que ela segredava ao meu ouvido, para eu ler as suas palavras no livrinho da sua novena que tinha comigo (que tem como titulo: Jesus é o meu tudo em tudo” – que as irmãs de Lisboa me tinham oferecido) e abri na página 19. Parecia que ali estava a resposta e começava a perceber o porquê do meu regresso à Índia.

Nesta página tinha o texto para o sétimo dia que fala da alegria – Deus ama quem dá como alegria. “O serviço a Deus e às almas é sempre duro, por isso com maior razão devemos tentar adquirir a alegria e fazê-la crescer em nossos corações. A alegria é oração. A alegria é força. A alegria é amor. A alegria é uma rede de amor com a qual se pode pescar muitas almas.” Palavras tão simples e que faziam tanto sentido no meu coração. Pedi muito que os meus anjos me acompanhassem naqueles dias que estavam para vir, que me dessem muita força para enfrentar toda aquela pobreza e principalmente capacidade de entendimento e aceitação para que pudesse passar os meus dias a sorrir, a dar o sorriso de Jesus, essa alegria que Deus tanto aprecia.

Novamente o táxi chegou à Rose Boad e parou junto do 54A, a Mother House, em Calcutá,como há 4 anos atrás. Mas agora senti uma paz invadir o meu coração… que milagre! Ao entrar naquela portinha castanha uma alegria apertou o meu coração, o regresso ao lar da minha tão estimada Madre Teresa. Sentia sinceramente uma paz naquele lugar que já me tinha esquecido de tantas tarde que ali passara a “conversar” junto ao tumulo da “Mother” ou na capelinha junto à sua estátua joelhada na sua almofada. Que bom! Mais uma vez percebia o significado do meu regresso. Afinal os “fantasmas” estavam a desaparecer.. ou será que eles existiam? Acho que os criei eu própria como refugio.

E Deus tinha mais uma surpresa preparada para mim. Á chegada enquanto falava com a irmã e a questionava sobre qual o alojamento que nos sugeria, ela chamava um Padre espanhol que tinha acabado de chegar com um grupo de 20 universitários para missão. E dizia “Eu acho que eles estão na Monica’s House e provavelmente vocês podem ficar lá”. O jovem padre chegou com os seus jovens. Aquela cara não me parecia desconhecida. Ele olhou para mim e foi um momento de grande emoção…era o Padre Peter, conhecemo-nos há 4 anos atrás. Ele tinha estado lá, em 2002, com outro grupo de espanhoes, que eu conhecera. Que excelente surpresa! Deus é assim! Conversamos, também ele não tinha voltado durante estes 4 anos e tinha chegado no dia anterior para mais uma experiência de cerca de 1 mês!

Os dias sucederam-se, o meu coração estava invadido de uma paz inexplicável. Olhava para as pessoas na rua e apoderava-se de mim um sentimento de Amor e não de dó… uma transformação divina no meu sentir… olhava aquelas pessoas com carinho e já conseguia discernir que muitos mendigavam por “profissão”, como as irmãs nos alertavam. As crianças afinal sorriam. Encontrei a mesma pobreza, mas conseguia dar com muita alegria.

Decidi ser a Irmã Karina (que é u
ma das responsáveis pelos voluntários) a escolher o local onde ficaria desta vez a trabalhar. E ela sem hesitações perguntou se eu estava disponível para trabalhar no Nirmal Hirday (as irmãs têm cerca de 9 casas em Calcutá onde os voluntários podem trabalhar). Outro sinal de Deus. Deus queria que eu voltasse a trabalhar exactamente onde estivera há 4 anos atrás. Aceitei, prontamente, e no dia seguinte lá estava. Também ali o regresso foi com muita serenidade. Percebi que sentia muitas saudades daquele lugar e que apesar dos primeiros dias, há 4 anos, terem sido difíceis, agora recordava apenas tantos bons momentos que ali passara. Olhava as camas e recordava os rostos anteriores. Que engraçado! Recordava as massagens que tinha feito à senhora que estava cama 32, e a canção que tinha cantado à jovem da cama 17, …

As tarde passadas no Nirmal Hirday voltaram a ser muito bonitas. O Nirmal Hirday, também conhecido como casa do moribundo, é uma casa onde são acolhidas pessoas em estado muito grave, muitas vão ali para morrer, vêm das ruas, sozinhas, doentes, com fome. Há uma secção para homens e outras para senhoras, chegam a estar cerca de 100 doentes. É tão bonito perceber como muitos deles recuperam…
Recordo entre muitas histórias, o dia em que decidi comprar um verniz para lhes pintar as unhas (as senhoras são vaidosas em todos os cantos do mundo!!). Uma velhinha quis uma pintura completa de mãos e pés! No fim por gestos pois eu não percebia o seu bengali e ela não entendia o meu inglês (nem português!) lá percebi que íamos trocar de posições e ela pintou-me também as unhas dos pés e das mãos. Foi um momento tão bonito! Mais uma vez Jesus estava ali, nos pequenos gestos. Exactamente como Madre Teresa tantas vezes dizia: “Não podes fazer grandes coisas mas podes fazer coisas pequenas com grande Amor” ou “Não interessa a quantidade de coisas que fazes, interessa o amor que colocas em cada uma delas”! Sem duvida que Madre Teresa é para mim uma grande referencia, uma mulher dos nossos dias que como é relatado na sua história: “deixou o conforto do convento para se dedicar aos pobres da ruas de Calcutá”. E o testemunho das Irmãs é excelente, verdadeiras missionárias ao serviço dos pobres dos mais pobres. Bem Hajam. E todos nós que temos o privilégio de conhecer almas, assim, grandes, temos também a obrigação de fazer “pequenas coisas mas com muito Amor”.
Percebia agora as coisas de forma muito mais clara que a angustia que me dominava em relação à pobreza extrema que tinha conhecido em Calcutá era agora substituída por esta compreensão.

Agradeço profundamente a Deus por este regresso a Calcutá…
Se quiserem saber mais pormenores desta experiência e aspectos logísticos de como fazer voluntariado em Calcutá, perguntem. Os aspectos logísticos são muito fáceis, chegam lá pessoas de todas as idades, de todos os continentes, sozinhas ou e grupo, por uma semana ou por muitos meses. As irmãs recebem todos de braços abertos, desde que levem muito Amor no seu coração… porque Jesus é assim!

Teresa Eugénio
teresa.eugenio1@gmail.com
linkedin facebook pinterest youtube rss twitter instagram facebook-blank rss-blank linkedin-blank pinterest youtube twitter instagram